Sala de Vacina: Da revolta contra a imunização ao amor pelo Zé Gotinha – @agenciabrasil
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SALA DE VACINA
EPISÓDIO 4: DO OSWALDO AO ZÉ
[MÚSICA DE ABERTURA]
[LEITURA DRAMATIZADA DE TRECHO DE JORNAL – SUMAIA VILLELA]
“Os acontecimentos de ontem foram mais graves que os dos dias antecedentes. As ameaças tomaram maiores proporções, estendendo-se pela cidade, que, pode-se dizer: esteve nos seus pontos principais em completa desordem.
À convocação publicada pelos jornais, feita ao povo por uma comissão anônima para, reunido na Praça Tiradentes em frente ao ministério da justiça, esperar a decisão da comissão de parecer sobre o regulamento da vaccina, compareceu grande número de pessoas a hora marcada, 1 da tarde.
[EFEITO SONORO DE SOM AMBIENTE]
No centro do jardim, um grupo mais numeroso comentava os acontecimentos quando dele se aproximou uma autoridade e intimou os populares a se dispersarem. Não foi obedecida à autoridade, que mandou tornar efetiva a sua intimação por meio de dois soldados da cavalaria.
[PESSOAS DISCUTINDO E AUTORIDADE GRITA: CAVALARIA!]
Foi bastante esse incidente para dar começo às mais graves ocorrências. De todos os lados, protesto, vaias e assuadas.
[SOM DE VAIAS, SEGUIDAS DE SOM DE CAVALOS TROTANDO APRESSADOS, HOMENS TENSOS]
Pela praça, nos quatro lados, piquetes de cavalaria e companhias de infanteria de policia tomaram posição, chegados a toda pressa dos quartéis. Os cavailèrianos recebendo ordens deram fiel comprimento às mesmas, entrando a dispersar os grupos a golpes de espada. Começaram a cortar o ar pedras grandes, paralelepípedos e cacos de garrafa.
[SOM DE PEDRADAS]
Os policiais respondiam a tiro de revólveres.
[SOM DE TIROS]
Nesse momento, toda a cena foi modificada. A Praça Tiradentes apresentava o aspecto de uma praça de guerra.
Este primeiro encontro dos populares com a força armada nunca mais cessou”
[MÚSICA TENSA]
[TÂMARA FREIRE] Assim, o jornal Gazeta de Notícias do dia 14 de novembro de 1904 narrou o início dos conflitos do dia anterior, que continuaram até a madrugada, em vários pontos da cidade do Rio de Janeiro, então capital federal.
Foi o auge da Revolta da Vacina, rebelião popular que tomou as ruas entre os dias 10 e 16 de novembro daquele ano, com um saldo de 30 mortos, 110 feridos e quase mil presos.
Quem imaginaria que um século depois…
[EFEITO SONORO DE TRANSIÇÃO]
[TÂMARA] …o mesmo país que se revoltou contra a vacina obrigatória se tornaria exemplo de vacinação para o mundo?
[MÚSICA DE TRANSIÇÃO]
[TÂMARA] É sobre isso que a gente fala agora no Sala de Vacina.
[MÚSICA DO PODCAST]
[TÂMARA] Episódio 4: Do Oswaldo ao Zé
[MÚSICA DO PODCAST]
[TÂMARA] Nesse início de século, a varíola era um dos grandes problemas de saúde pública. Em 1904, ela matou 3,5 mil pessoas na capital. E tinha outras 1800 internadas só no Hospital São Sebastião, que era o principal do Rio de Janeiro. E o Estado brasileiro não conseguia conquistar totalmente a confiança do povo para se imunizar.
O estopim pra Revolta da Vacina foi justamente a aprovação de uma lei que tornava obrigatória a vacinação contra a varíola no Brasil.
A medida foi idealizada por ninguém menos que Oswaldo Cruz, que era diretor-geral de Saúde Pública à época, depois de comandar os trabalhos na Fazenda Manguinhos – instituição que posteriormente recebeu o seu nome e se tornou a nossa importantíssima Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Ele tava com moral pra propor o que quisesse. Na virada do século, Oswaldo Cruz tinha ajudado a conter um surto de peste bubônica, ao propor medidas de eliminação dos ratos, que transmitem a doença. Depois disso, foi responsável por debelar uma epidemia de febre amarela, aplicando o mesmo princípio no combate ao mosquito Aedes aegypt.
Com esse histórico, ele não capitulou diante da varíola. Propôs a vacinação obrigatória, de casa em casa, pra todo mundo, com sérias sanções pra quem se recusasse.
O presidente Rodrigues Alves concordou e assinou um decreto…
[EFEITO SONORO DE ASSINATURA COM BICO DE PENA]
[TÂMARA] que instituía a cobrança do comprovante de vacinação para as matrículas escolares, para os registros de emprego, pras autorizações de viagem e até mesmo pros casamentos. E quem não se vacinasse deveria pagar uma multa.
O decreto foi apenas a última gota d´agua que provocou um maremoto na Baía de Guanabara.
[SOM DE CONFUSÃO SEGUIDO DE EFEITO SONORO DE PAUSE]
[TÂMARA] Vocês sabem que esse podcast defende irrestritamente a vacinação. Mas é preciso avaliar o contexto da época para entender melhor a Revolta da Vacina. Ela teve o apoio das classes mais populares a intelectuais respeitados, como Ruy Barbosa.
Primeiro, como nós já explicamos nos episódios anteriores, a vacina contra a varíola foi a primeira inventada no mundo e, durante muito tempo, ela consistia na aplicação de secreções, infectadas pela varíola bovina, em pessoas saudáveis para imunizá-las contra a forma humana da doença.
No final do século XIX, os cientistas descobriram que a aplicação do vírus retirado diretamente de um vitelo bovino era mais eficaz. Então, a vacina de origem animal se tornou a norma e foi aprimorada com a descoberta de agentes conservantes.
Mas ainda se tratava de material biológico de um bovino infectado, filtrado e inoculado nas pessoas. E pouca gente entendia o processo de imunização e produção das vacinas.
Naquela época já se disseminavam algumas fake news…
[EFEITO SONORO DE SURPRESA]
[TÂMARA] …ainda que o termo estivesse longe de ser inventado. Algumas pessoas diziam, por exemplo, que os vacinadores molestariam as mulheres ao entrar em suas casas. Outras diziam que os vacinados poderiam desenvolver características bovinas, porque a vacina tinha origem animal.
Acho que isso me lembra alguma coisa.
[JAIR BOLSONARO] “Se você virar um jacaré, é problema de você, pô”.
[TÂMARA] Mas voltando…
Além do desconhecimento e da falta de familiaridade com as vacinas, também é importante ressaltar o contexto histórico da Revolta. O Brasil tinha se tornado uma república apenas 15 anos antes, e ainda vivia um momento de acomodação dessa nova forma de governo. Além disso, a insatisfação com algumas medidas da Presidência e da administração do Distrito Federal era grande. Quem explica isso pra gente é o Carlos Fidelis Pontes, historiador e presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde.
[CARLOS FIDELIS] “Antigos proprietários de escravos, que perderam os escravos em 1988, com a abolição da escravidão. Tinha o fato dos positivistas não estarem satisfeitos com o rumo civil da República. Militares também não gostavam de como as coisas estavam sendo conduzidas.
Havia a ideia de se fazer uma reforma no Rio de Janeiro, capital da República, que era considerado túmulo de estrangeiros, e tinha uma política de atrair mão de obra europeia e japoneses para substituir o braço escravo que saiu das fazendas. [A fama] prejudicava essa atração, então resolveram fazer uma grande campanha de saneamento no Rio de Janeiro, de melhoramento dos esportes e de uma reforma urbana para transformar o Rio de Janeiro numa Paris Tropical. Essas obras arrasavam quarteirões inteiros, abriam grandes avenidas, e isso ia levando o povo a subir o morro ou ser jogado para o subúrbio. Isso descontentava muita gente, que antes trabalhava perto do local de moradia, e agora estava afastado. Laços de identidade foram rompidos.
Fora isso, uma série de posturas municipais de se proibir, por exemplo, vender leite em vaca, ou atravessar com rebanho as ruas da cidade. Proibir as pessoas de cuspir no chão, andar descalço no centro. Tudo isso vai formando um grande amálgama. Tanto é que, no mesmo ano, a vacina é aplicada no Ceará com sucesso, sem problema algum. Mas no Rio de Janeiro, esse uso político da obrigatoriedade da vacinação gera revolta”.
[TÂMARA] Na tal reunião do dia 13 de novembro, mencionada lá no trecho do Gazeta de Notícias, o governo decidiu recuar nas medidas propostas por Oswaldo Cruz, e criar uma comissão para propor novas determinações.
[EFEITO SONORO DE TENSÃO]
[TÂMARA] Mesmo assim, a revolta continuou por mais 3 dias e os conflitos só foram contidos com o endurecimento da repressão, depois que um estado de sítio foi decretado no dia 16. No mesmo dia, o país desistiu totalmente de obrigar as pessoas a se vacinarem.
Com a revolta, o efeito pretendido com o decreto acabou saindo pela culatra. Antes a população estava se vacinando vagarosamente, mas estava. Depois, o índice caiu drasticamente.
Oswaldo Cruz perdeu a batalha, mas não perdeu a guerra. Como a gente sabe, os vírus não sabem ler decretos, nem obedecem a revoltas populares e a varíola evidentemente continuou infectando os brasileiros, até que, em 1908…
[VOLTA EFEITO SONORO DE TENSÃO]
[TÂMARA] …explodiu o pior surto da doença na história do país, com mais de 6,5 mil mortos.
Com a corda apertando no pescoço, a população procurou voluntariamente os postos de vacinação e os casos começaram a cair.
Historicamente não há argumento mais convincente a favor da vacinação do que a alta percepção de risco. Mas em um país tão grande e desigual como o Brasil, isso não é suficiente.
A varíola mesmo só foi totalmente erradicada na década de 1970, depois que as autoridades se viram pressionadas pelo movimento mundial de combate à doença e resolveram agir de maneira intensiva contra ela em todo o território nacional.
Um outro momento em que esses dois fatores andaram juntos foi a campanha de erradicação da poliomielite.
[MÚSICA DE TRANSIÇÃO]
[TÂMARA] O primeiro surto de poliomielite do Brasil foi registrado em 1911, e algumas cidades também tiveram uma epidemia na década de 1930, mas só a partir dos anos 1950 é que a doença começou a chamar a atenção da opinião pública. Também foi nessa década que as duas vacinas contra a pólio foram criadas: uma com vírus inativado e aplicação injetável, e outra com o vírus atenuado e aplicação oral – a nossa conhecida gotinha.
[EFEITO SONORO DE GOTINHA]
[HELENA TEODORO MICHELON] “Conta a minha mãe, que eu tive uma febre normal de uma criança pequena, e naquele tempo não se tinha muito recursos. Minha mãe me levou na farmácia, e o farmacêutico me dava
injeção de novalgina. E a minha avó disse que, quando foi me colocar em pé na mesa, percebeu que um lado da perna já tinha encurtado. Aí ela falou pra minha mãe: ‘corre com essa menina que tá tendo paralisia infantil’. Porque não se falava nem pólio antigamente,
né? Minha mãe dizia que naquela noite, ela ficou a noite toda pra poder conseguir internação, e internaram 49 crianças, tudo com pólio. Fiquei acho que dois meses dentro de um tal de pulmão de aço.
Nesse isolamento, só tinha crianças com o pólio. No dia da minha alta, o médico conversou com a minha mãe e falou: ‘olha, ela ficou com uma sequela.
Das sequelas que entraram aqui, a dela foi uma das menores, porque ficou um lado só da perna direita. Mas ela não vai caminhar tão cedo. Então, a senhora vai ter que começar um tratamento longo, e é uma sequela que ela vai ter pro resto da vida dela'”.
[TÂMARA] Essa voz é de Helena Teodoro Michelon. Ela foi infectada pela pólio quando era um bebê, no início dos anos 60. Por causa das sequelas da doença, ela precisou passar por 13 cirurgias durante a adolescência e mesmo assim teve que usar uma órtese ao longo da vida para conseguir andar.
Hoje, aos 64 anos, Helena conta que, por causa das sequelas, vem sentindo de forma mais aguda os efeitos do envelhecimento: cansaço muscular, dores nas pernas… e até mesmo para pequenas caminhadas têm usado uma cadeira de rodas.
[HELENA] “Me olhem com olhos fixos, porque eu sou prova viva da sequela da pólio. É para o resto da vida, não tem cura, é uma deficiência permanente. Vão vacinar seus filhos, não deixem de vacinar”.
[TÂMARA] Helena é uma das muitas pessoas que passaram a viver com alguma paralisia irreversível por causa da pólio. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, uma em cada 200 infecções deixa essa sequela. E poderia ser pior: entre 5% e 10% das pessoas com paralisia acabam morrendo porque os músculos respiratórios param de funcionar de maneira irreversível.
Por isso, muitas crianças precisam ficar no pulmão de aço que Helena fala no seu depoimento, um equipamento que existia na época para ajudar as crianças com dificuldade respiratória.
E muitas delas não tinham previsão para sair. O médico Guido Levi já falou sobre esse temível setor no primeiro episódio:
[GUIDO LEVI – PRIMEIRO EPISÓDIO] “Dentro desse pulmão de aço, que é uma máquina que fazia respiração dessas crianças, elas entravam para ficar lá dentro até o resto da vida. Eu ainda tive a ocasião de visitar a enfermaria de pulmão de Aço do Hospital das Clínicas e posso dizer que foi um uma das coisas mais chocantes que aconteceu na minha carreira profissional. Ver todas essas crianças dentro dessas máquinas, inclusive alguns adultos, mas principalmente crianças. E elas sabiam que nunca saíram de lá”.
[TÂMARA] Mas a vacina pode evitar isso, e graças a ela que o Brasil é considerado território livre da pólio desde 1994.
Vamos contar essa história com um pouco mais de detalhes. E pra isso…
[MÚSICA DE MARCAÇÃO DE RITMO]
[TÂMARA] …a gente vai contar com a ajuda de um dos principais nomes da vacinação do Brasil, uma grande referência citada por muitos dos entrevistados desse podcast. Akira Homma, que hoje é assessor científico sênior da Fiocruz.
O doutor Homma foi o primeiro entrevistado desse podcast, ainda no mês de março. E eu tive o privilégio de fazer isso pessoalmente e ouvir, por quase duas horas, ele contar quase toda a sua trajetória de vida e de serviços em prol da vacinação.
Pra começar, o Dr Homma participou das pesquisas que permitiram o isolamento e a caracterização do vírus da pólio.
[AKIRA HOMMA] “Eu estou envolvido com questões de vacina desde 1960. Colaborei para fazer o primeiro estudo da avaliação da vacina Sabin no país. Estive ajudando no campo e depois no laboratório, também. Em 1968, entrei para a Fundação Oswaldo Cruz, isolando o vírus da poliomielite, classificando, caracterizando o vírus da poliomielite, mas também participei de um estudo organizado pelo Ministério da Saúde no Espírito Santo. E a parte sorologia, ou seja, a avaliação
de anticorpos da vacina foi feita nesse laboratório, e eu tive participação”.
[TÂMARA] A vacina também precisou ser aperfeiçoada. E ele estava presente.
Além disso, o Brasil precisou transferir a tecnologia para permitir a produção nacional. Dr Homma liderou esse processo.
[AKIRA HOMMA] “Em 1976, eu estava na Alemanha e voltei para organizar e colocar Bio-Manguinhos como uma instituição para o desenvolvimento e produção de vacinas necessárias para o programa de saúde do país. Em 1980, já tivemos um projeto com o governo do Japão para a transferência de tecnologia e produção, aqui no Brasil, da vacina de sarampo e poliomelite.
Passamos a importar esse concentrado viral de altíssima qualidade e aqui, então, passamos formular, envasar, fazer controle de qualidade final e fornecer as vacinas para o Ministério da Saúde”.
[TÂMARA] Mas, como a gente bem sabe, as vacinas só conseguem controlar a circulação das doenças se elas forem tomadas por todo o público alvo. E, como a gente viu no último episódio, os sanitaristas do governo federal então tiveram uma ideia megalomaníaca e ousada: criar os Dias Nacionais de Vacinação, com a missão de vacinar todas as crianças do país num único dia.
[EFEITO SONORO DE SURPRESA]
[TÂMARA] E deu certo, Doutor Homma?
[AKIRA HOMMA] “Todos os ministérios do governo federal e também toda a sociedade brasileira foi envolvida nesse
processo. E também iniciativas privadas participaram desse processo, além da participação de milhares de voluntários.
A mídia estava explicando a necessidade de vacinação, fantástico.
Em 1980, apareceram, então, 1.290 casos de poliomilite. Em 1980 já teve vacinação, em 81 caiu para 122 casos, e em 82 caiu para 42 casos. Para você ver o impacto da vacinação com altas coberturas vacinais.
Em um dia, você conseguia vacinar 18 milhões de crianças”.
[TÂMARA] Mesmo assim, o Doutor Homma precisou dar mais uma contribuição definitiva.
[AKIRA HOMMA] “Mesmo com altas coberturas de vacinais, no Nordeste ainda tinha casos. O Ministério da Saúde, estudando isso, chegou à conclusão que o tipo 3 da vacina não estava protegendo suficientemente, estava causando esses surtos. Procurou, então, os fornecedores internacionais para obter uma vacina potenciada do tipo três, e eles falaram sim. Entregaram a vacina em 20 dias, com duas vezes mais potência do que tinha”.
[TÂMARA] Mas será que a percepção de risco, e a iniciativa das autoridades seriam suficientes diante de um desafio tão grande? Me parece uma missão pra um super herói.
[MÚSICA DE SUPER HERÓI]
[TÂMARA] E aqui no Brasil, meus amigos, não tem pro Super Homem, nem pra Mulher Maravilha: o nosso maior herói veste branco e tem a cabeça em formato de gota.
É claro que nós estamos falando do Zé Gotinha, criado em 1986 pelo artista plástico Darlan Rosa.
[MIX DE TRECHOS DAS PROPAGANDAS DO ZÉ GOTINHA]
[TÂMARA] Mas pasmem! Ele nem sempre foi uma unanimidade.
Rosa foi contratado para criar apenas uma logomarca para a campanha de erradicação da pólio, mas achou que um boneco teria mais apelo com as crianças, que eram o público alvo.
Algumas autoridades do Ministério da Saúde achavam que a vacina era um assunto sério demais para ter um mascote. Só que Rosa acabou recebendo a validação mais importante de todas: a das próprias crianças. Ele conta como foi isso:
[DARLAN ROSA] “Primeiramente eu os convenci que a gente poderia criar um projeto educativo, que seria a longo prazo.
Foram convivendo com a ideia. O nosso gargalo era com a comunicação social.
Eu dei essa ideia para o Ministério,
vamos fazer um concurso para escolher o nome do personagem. E aí a gente vai poder medir se ele tem carisma ou não.
Foi feito um filmezinho…
[TRECHO DA PROPAGANDA DA ÉPOCA]
[DARLAN] …e foi um boom, mais de 11 milhões de cartas. Às vezes as cartas iam para o Centro de Saúde de caminhonete ou de comboio, entendeu? Tal era o volume de cartas que chegaram. O próprio Ministério ficou meio pasmo, ao fim. Começaram a perceber que o nome Zé Gotinhas era recorrente.
Mesmo assim, nós não conseguimos colocar ele na campanha. Aí foi feita uma série de filmes sobre vacinação de sarampo, tuberculose, e a campanha teve
uma repercussão muito grande, sabe?
E aí, então, acho que finalmente lançamos a campanha”.
[TÂMARA] E depois veio a segunda validação mais importante: a das profissionais das salas de vacina.
[DARLAN ROSA] Quando eu criei o personagem, eu percebi que havia um engajamento muito grande das
vacinadoras, né? E a maior parte dos profissionais de vacinação da época era de mulheres. Eu criei um personagem para elas. Fiz questão de ser um documento super simples para qualquer pessoa desenhar, sabe? Naquela época, havia uma demanda muito grande de cartazes, assim, de hoje para amanhã, fazer uma vacinação na escola, tal. E nessa época não tinha xerox, era uma coisa feita na mão, né?
E aí eu me lembro que eu fui divulgá-lo em todos os estados. E dizia para elas assim: ‘olha, esse aqui é o filho de vocês, você tem que cuidar, educar e fazer com que ele seja um grande educador também, como vocês são, entendeu?’ E aí eu acho que houve esse engajamento. Tanto é que nesses 37 anos da vida do Zé Gotinha, muitas vezes o Ministério não queria usar, mas as vacinadoras continuaram usando e pressionando o Ministério para que fizesse as campanhas dos anos de Zé Gotinha”.
[TÂMARA] O sucesso do personagem é considerado tão primordial para a vitória do Brasil contra a pólio, que Darlan também fez trabalhos semelhantes para o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), e o governo de Angola.
E depois que a pólio foi vencida, o personagem se impôs como símbolo do Programa Nacional de Imunizações, porque o Zé Gotinha já tinha ganhado o coração dos brasileiros, e sua presença humanizava as salas de vacina. Ninguém queria parar de usar.
Não há dúvidas sobre a contribuição do Zé Gotinha nessa mudança que se tornou uma característica da vacinação no Brasil invejada pelo mundo inteiro. Um procedimento “sério”, “chato”, no máximo “corriqueiro” como costumam ser todos os procedimentos de saúde, se tornou um orgulho nacional.
Quem aí tirou foto quando finalmente conseguiu se vacinar contra a covid-19 e postou cheio de orgulho nas redes sociais?
[EFEITO SONORO DE FOTO]
É claro que no meio da pandemia, a gente também tava celebrando muitas outras coisas: que as vacinas finalmente foram compradas, a despeito do negacionismo das autoridades federais; que a maior esperança de continuar vivo e não adoecer estava chegando no braço das pessoas; que a gente estava mais perto de vencer o isolamento social que nos afastou da família e dos amigos…
Mas quando o Movimento Nacional Pela Vacinação foi lançado em fevereiro pra recuperar os índices que caíram nos últimos anos, quem voltou a estrelar a campanha?
[CAMPANHA INSTITUCIONAL COM O RETORNO DO ZÉ GOTINHA]
[TÂMARA] No ano que vem, a vacina oral contra a pólio, a famosa gotinha que deu nome ao nosso herói, vai se aposentar.
Vale dizer que o Brasil não teria alcançado sucesso nas campanhas nacionais sem essa forma de vacina, que é mais acessível e fácil de ser armazenada e aplicada. Mas a vacina injetável, que já é utilizada no esquema básico, é mais eficaz e segura, e, por isso, se tornará exclusiva.
Mas o Zé Gotinha… ah, esse não deve sair de cena tão cedo.
Até porque tem muito trabalho pra fazer, rumo à recuperação das taxas vacinais que nos fizeram referência mundial. E é com esse desafio que nós vamos fechar o Sala de Vacina em grande estilo. Olhando pra frente, analisando os erros do passado recente e cuidando para que a gente tenha um futuro mais protegido e com mais confiança na ciência.
E pra fechar com chave de ouro, a gente escolheu uma data especial pra lançar esse último episódio. Um dia que trouxe esperança para toda a humanidade décadas atrás: 26 de outubro, quando foi anunciada a erradicação da varíola em todo o planeta.
[MÚSICA DE ENCERRAMENTO PARA ENTRADA DOS CRÉDITOS]
[TÂMARA] O site do Ministério da Saúde (www.gov.br/saude) disponibiliza todos os calendários básicos, com a idade certa para tomar cada dose.
Esse foi o quarto episódio do Sala de Vacina, um podcast do jornalismo da Rádio Nacional e da Radioagência Nacional.
São cinco no total. Os episódios são encontrados no site radioagencianacional.ebc.com.br e também aqui nesta plataforma.
Ainda temos interpretação simultânea em Libras, a Língua Brasileira de Sinais, tanto no Spotify como no YouTube.
Eu sou a Tâmara Freire, responsável pela ideia original, produção e reportagem da série. E contei com a colaboração de Vinícius Lisboa, repórter da Agência Brasil, para muitas dessas entrevistas.
Quem faz a edição e pós-produção pra esse podcast chegar até você é a Sumaia Villela.
A identidade sonora e a sonoplastia do podcast são feitas pelo Jailton Sodré. A gravação é feita por Tony Godoy e a equipe de operação de áudio da EBC.
A coordenação de processos é da Beatriz Arcoverde.
A estratégia de publicação e a distribuição nas redes sociais são assinadas por Liliane Farias e Raíssa Saraiva. A identidade visual e o design são de Caroline Ramos.
E o nosso obrigada de sempre ao Darlan Rosa por deixar o Zé Gotinha aparecer na identidade visual do Sala de Vacina.
Voltando para os créditos: a equipe da EBC faz a interpretação em Libras, com direção de vídeo de Lorena Veras e captação de imagem de Daniel Hiroshi. A montagem da versão em vídeo é de Felipe Leite e Fernando Miranda.
Esta série tem fins jornalísticos e utilizou trechos de arquivo do Gazeta de Notícias, redes sociais de Jair Bolsonaro e campanhas publicitárias do Ministério da Saúde.
A voz que lê a notícia sobre a revolta da vacina é de Sumaia Villela. Vladimir Platonov faz uma participação especial atuando como a autoridade que chama a cavalaria.
Até 26 de outubro, dia de alimentar a esperança de um país novamente plenamente vacinado!
[MÚSICA DE ENCERRAMENTO]
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Acesse esta notícia no site da Agencia Brasil – Link Original