O novo regime global já começou — falta entender como ele realmente será

Nos últimos meses, o cenário econômico global sofreu uma transformação silenciosa, porém profunda. De forma quase imperceptível, os pilares que sustentavam o mercado começaram a ceder. Indicadores de inflação, crédito, dólar, juros e ouro passaram a contar uma nova história — e a mensagem é clara: o mundo entrou em outro regime.
Durante boa parte da última década, vivemos sob um modelo macroeconômico baseado em juros baixos, estímulos constantes, liquidez abundante e cadeias globais integradas. Era um ambiente que oferecia previsibilidade, com baixa inflação e bancos centrais prontos para atuar diante de qualquer sinal de desaceleração.
Esse ambiente, no entanto, já não existe mais.
A inflação, por exemplo, não é mais movida apenas por demanda ou mercado de trabalho apertado. O risco agora vem da política. Christopher Waller, diretor do Federal Reserve, alertou recentemente que tarifas sustentadas — como as propostas atualmente por Donald Trump — podem, sozinhas, empurrar a inflação de volta para a casa dos 5%. O preço da reorganização geopolítica começa a se refletir nos dados.
Nesse contexto, o ouro voltou a ser protagonista. O UBS já revisou duas vezes suas projeções para o metal em 2025, de US$ 2.700 para US$ 3.000 e, depois, para US$ 3.500. Mais do que uma resposta a tensões pontuais, o movimento representa uma busca estrutural por proteção. Desde a pandemia, o ouro já superou o S&P 500 em rentabilidade acumulada, mesmo em meio ao maior ciclo de valorização das big techs. A commodity negocia atualmente no seu maior nível histórico nominal, atingindo US$ 3.330/onça.
O comportamento institucional reforça essa tese. Os bancos centrais estão comprando ouro há 20 meses consecutivos. Foram mais de 3.100 toneladas acumuladas em três anos — um movimento raro, que indica que o medo saiu das manchetes e entrou nas estratégias das autoridades monetárias.
Nos mercados, a fuga para o ouro também é evidente. Em 2025, fundos dedicados ao metal já captaram mais de US$ 80 bilhões — o dobro do recorde anterior, registrado em 2020, no auge da pandemia. Não é uma alocação tática. É um realinhamento de portfólio diante de um novo mundo.
Enquanto isso, o dólar — antes símbolo de estabilidade global — vive sua pior performance de início de ano desde 1995. O índice DXY acumula queda de mais de 8% no ano. A combinação de deterioração fiscal, ameaça de tarifas e perda de confiança global no papel do dólar como reserva de valor formam a tempestade perfeita.
E os sinais domésticos também não são animadores. O crédito ao consumidor nos Estados Unidos, por exemplo, caiu US$ 810 milhões em fevereiro. O mercado esperava uma alta de US$ 15 bilhões. É a segunda queda nos últimos quatro meses — e a mais expressiva até agora. A classe média americana está pisando no freio.
Do lado corporativo, as falências nos EUA já acontecem no ritmo mais alto desde 2008. O aperto monetário está cobrando seu preço. E com o custo do capital em alta, as empresas mais frágeis são as primeiras a cair.
Mas talvez o risco mais subestimado esteja na dívida americana. Investidores estrangeiros detêm hoje mais de US$ 8,5 trilhões em Treasuries — o equivalente a 23% de toda a dívida dos EUA. Se esse capital decidir sair, seja por razões geopolíticas ou por realocação estratégica, o impacto sobre juros e câmbio pode ser violento.
O mercado já começou a reagir. A taxa dos Treasuries de 10 anos saltou mais de 50 pontos-base em apenas uma semana — maior alta desde 2001. Os papéis de 30 anos oscilaram até 32 pontos-base em um único dia, algo não visto desde os momentos mais tensos da pandemia.
O investidor precisa entender: o mundo pré-2020 ficou para trás. O novo ciclo já começou. E ele é mais volátil, mais protecionista e menos previsível.
A alta do ouro é só o sintoma mais visível de um sistema em transição.
O jogo mudou. E ignorar essa virada pode custar caro.
Fonte: Infomoney