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Canetada de Lula abre portas para a volta da contabilidade criativa – @gazetadopovo

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O Congresso Nacional deve decidir até o fim deste mês se mantém ou derruba uma canetada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que abre caminho para a chamada contabilidade criativa, por meio da qual gastos públicos podem deixar de ser apurados para que a meta fiscal seja cumprida.

O artifício foi utilizado durante a gestão de Dilma Rousseff (PT), permitindo a ampliação de despesas com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Justamente para impedir esse tipo de manobra, um artigo do Projeto
de Lei Complementar (PLP) 93/2023, que institui o novo arcabouço fiscal, impedia
que quaisquer despesas primárias fossem excluídas do cálculo da meta de
resultado primário na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

Aprovado pela maioria dos 513 deputados e 81 senadores do
Congresso Nacional, o
dispositivo foi vetado pelo chefe do Executivo
na sanção do texto,
convertido no dia 31 de agosto na Lei Complementar 200/2023.

Em mensagem ao presidente do Senado e do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), Lula afirmou que a proposição legislativa contraria o interesse público, uma vez que a LDO seria o “diploma competente” para estabelecer e gerir as metas de resultado fiscal e que, por isso, deve conter a autorização expressa de medidas excepcionais como a exclusão de despesas do cômputo da meta.

Ele destacou, como exemplo, a previsão de operações de
encontro de contas de precatórios, que foram utilizadas no Orçamento de 2023,
destacando que esse tipo de transação pode ser vantajosa para o contribuinte e
para a União.

“Portanto, a sanção do dispositivo inviabilizaria a realização
de tais operações, reduzindo a eficiência econômica na gestão fiscal”, diz
trecho da mensagem de veto assinada pelo presidente.

Questionados sobre a medida, os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, reforçaram o discurso.

“Na LDO tem um dispositivo que já vem desde 2023 que permite o encontro de contas de precatório, e a gente não queria tirar da LDO isso porque isso dá uma flexibilidade para quando você tem um encontro de contas para fazer”, disse Haddad em entrevista coletiva no dia 1.º.

“Não tem nenhuma
outra intenção que não seja essa: de continuar permitindo um encontro de contas
quando você está nos dois polos de uma relação de crédito e débito”, acrescentou.

O ministro lembrou que o expediente foi utilizado em 2022, último ano do governo de Jair Bolsonaro (PL), quando a União e a prefeitura de São Paulo assinaram um acordo de cessão do Aeroporto do Campo de Marte.

A operação envolveu um encontro de contas, com o
encerramento de uma dívida de cerca de R$ 24 bilhões do município com a União
em troca do valor da indenização devida pelo governo federal pelo uso da área.
O montante foi contabilizado como receita para o governo central, o que contribuiu
para o primeiro superávit primário em nove anos
.

“Se o arcabouço tivesse
sido claro: ‘nós não vamos aceitar nenhuma despesa primária computada fora da meta
do primário, à exceção do encontro de precatórios’, nós não estaríamos vetando
esse dispositivo”, acrescentou a ministra do Planejamento na mesma coletiva.

O veto ao dispositivo, no entanto, permite que a cada ano sejam discutidas na LDO novas exceções à apuração do resultado primário – e não apenas as operações com precatórios.

As leis de diretrizes orçamentárias precisam sempre passar pelo crivo do Congresso, onde o governo vem tentando consolidar base majoritária para aprovar pautas de seu interesse.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), já sinalizou que defende a manutenção do texto original aprovado pelos parlamentares. “O veto tem muita chance de ser derrubado no Congresso Nacional”, disse Lira, também no dia 1.º, durante participação em evento promovido pela XP em São Paulo.

“O Brasil precisa continuar caminhando nos trilhos da responsabilidade fiscal, olhando para o social”, complementou o deputado.

A mensagem de veto parcial ao PLP 93/2023 foi enviada ao Congresso no dia 31 de agosto e a partir de 30 de setembro passa a trancar a pauta caso não seja analisada.

Incrédulo com cumprimento de meta, mercado vê risco de contabilidade criativa

Ainda antes do veto, o economista Marcos Mendes, pesquisador
associado do Insper,
alertava para a possibilidade de o governo Lula lançar mão da criatividade
contábil
a fim de contornar os desafios para se atingir a meta de resultado
primário neutro em 2024.

Para ele, o déficit não deve ser zerado no próximo ano,
principalmente em razão da pressão por aumento de gastos. Ele lembra, ademais,
que o descumprimento da meta fiscal não implica mais em crime de responsabilidade
e considera que os mecanismos de controle de despesas não resolvem a questão.

“Aí vem outra possibilidade que eu acho muito provável, de começar a usar a contabilidade criativa, começar a encontrar meios de fechar as contas na marra. Tem sinais fortes disso no cenário”, disse o economista em entrevista ao jornal “O Estado de S.Paulo”, no fim de agosto.

O economista-chefe da Warren Rena, Felipe Salto, considera
reduzidas as chances de o governo arriscar uma nova tentativa de contabilidade
criativa, mas ressalta a necessidade de atenção.

“Os riscos de abatimentos contábeis estão no radar, mas os
vemos como baixos, hoje, em que pese o veto presidencial à inovação que o
projeto do arcabouço promovia na LRF [Lei de Responsabilidade Fiscal] para
barrar essas possibilidades. Novos movimentos nessa matéria terão de ser
acompanhados de perto”, diz.

Em relatório a clientes, o economista destacou a sinalização
negativa que o veto passa ao mercado. “A chamada contabilidade criativa legou
muitos problemas às contas públicas e à economia, em período recente, e esse
dispositivo funcionaria como espécie de vacina contra novas tentativas”,
escreveu o economista. “Ao retirá-lo, o governo dá um mau sinal nesse aspecto.”

A mediana das expectativas dos analistas do mercado financeiro é de resultado primário deficitário em 0,71% em 2024, conforme mostra a última edição do boletim Focus, divulgada pelo Banco Central na última segunda-feira (11).

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